Prefácio

A escola pública e a escolaridade obrigatória foram, sem dúvida, das melhores ''invenções'' da modernidade. Exige-se hoje que a escola seja para todos, na prática e não apenas no papel. Os alunos com necessidades educativas especiais, com espectro de autismo, não podem ser discriminados, distinguidos, têm que ter uma diferenciação positiva entre todos os outros.
Relativamente a esta problemática ainda há muito por esclarecer. O nosso objectivo com este projecto é tentar dilucidar o tema e se possível contribuir para esclarecer esta temática duma forma responsável e credível.
Ao elaborar todo este trabalho pretendemos que ele se constitua como um espaço de reflexão e de crítica sobre uma problemática que para muitos permanece obscura. Queremos contribuir para uma escola inclusiva onde a supremacia da diferença encontre voz.
Por tudo isto, conscientes do que vamos fazer continuamos a apostar no nosso esforço.

Ass: João Alves; Marlene Valpaços; Sónia Kilçik.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Autismo - Antes do diagnóstico

"As crianças que iniciam terapia mais cedo têm melhores resultados. Esta verdade é transversal às páginas da Internet, às folhas dos livros e das revistas, às experiências que se vão ouvindo"

Vamos esperar. A frase repete-se. Ocasionalmente substituída por outras, que não são mais do que sinónimos: "Ainda é cedo, cada um tem o seu ritmo, tem pouco contacto com outras crianças, nasceu um irmão..." O pediatra, a educadora, os avós, o pai, a amiga... Todos vão dizendo o que o coração da mãe, silencioso, grita para ouvir. Há sempre um caso que era semelhante que depois ficou bem. O tempo, os anjos, a fé ou outros impulsionadores encarregar-se-ão delegados por um Deus, maior ou menor, mas jamais indiferente a um pedido maternal. Não há que dramatizar... Confiar é a palavra em que a mãe tropeça todos os dias. E cada "caso semelhante", cada frase oferecida, é um bálsamo para a dor que se começa a instalar. Uma dor que vai chegando devagar. Silenciosa, súbtil. Um olhar que se desvaneceu como um reflexo, palavras que foram desaparecendo e nunca mais foram ditas, um abraço que não se prolonga e uma distância que se vai estendendo. Entre um pintor e a criança que se desenha a si própria... Indiferente às cores que a mãe traz nos seus pincéis. Uma obra-prima. Certamente. Mas que se destaca na galeria da infância. Diferente de outros quadros.
Mas serão os olhos da mãe? Entre um passo de certeza e outros de dúvida, começa o olhar atento. Na festa, na saída da escola, no parque. Observam-se os outros, da mesma idade, numa ânsia de medidas e comparações que se vão tornando claras, como os contornos no amanhecer. Depois começam as leituras. Nos livros, na Internet, juntando as peças do puzzle. E a certeza vai crescendo. A par dos indícios de um problema que se vai insinuando, espreitam sinais, nas leituras ou numa partilha mais íntima, de que há "algo a fazer". E, independentemente das dúvidas, parece haver uma unanimidade quanto à importância de uma intervenção precoce. As crianças que iniciam terapia mais cedo têm melhores resultados. Esta verdade é transversal às páginas da Internet, às folhas dos livros e das revistas, às experiências que se vão ouvindo. E esta certeza cria uma urgência nos pais. O "esperar para ver" torna-se angustiante enquanto revelador de uma passividade, que tem pouco de transformadora. E os pais começam a sentir-se espectadores de um cenário que se desenrola num sentido aparentemente aleatório. E se a Natureza se tiver enganado? E se houver, de facto, um problema? Quanto tempo foi desperdiçado? Entre os pecados do excesso e do defeito, qual traz mais serenidade ao olhar para trás? Qual evita que a pergunta "e se tivéssemos começado mais cedo?" se deite com os pais e acorde com eles?
Nesta viagem de meses, às vezes anos, chega o momento. A porta do gabinete abre-se, os passos da criança antecedem o dos pais. Como se guiasse o caminho. A mãe inspira, até às profundezas da dor, ao avesso dos seus medos e expira, revestida da fortaleza que será para sempre, guardando a cidade que é aquele pequeno ser, como se de um útero se tratasse. E pergunta. Olhos nos olhos de quem que vai responder o que ele já sabe. Porque o tempo de espera terminou e inicia-se outra etapa. "Diga-me, o que é que o meu filho tem?"

in revista Lux, por Carla Almeida do Núcleo das Perturbações do Espectro do Autismo


O grupo 1, 12ºC

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

O mundo de um autista

O mundo de um autista
Pergunto a uma criança normal: “Como sabes que isto é um pássaro?” A criança olha-me como se eu lhe tivesse perguntado uma coisa tonta. “Porque voa, claro”.Coloco ao meu filho Thomas a mesma questão : “Como sabes que isto é um pássaro?” Thomas (muito sério – tenho de enfatizar este ponto, porque muitas pessoas que não conhecem o autismo pensam que ele tem sentido de humor) diz: “Primeiro olho e vejo se tem quatro pernas ou duas. Se tem duas, é um pássaro.”Um ser humano ou um animal. Recordo um tempo há muitos anos, quando estávamos numa carruagem de eléctrico. Por essa altura, eu já lhe ensinara como classificar imagens correctamente: estas são pessoas, e, estes são os animais. Ele sabia perfeitamente como fazê-lo.Naquela tarde, ele reparou numa mulher com um penteado muito estranho, e na sua maneira franca e directa, disse alto, apontando para a senhora: “ Mamã, aquilo é um ser humano ou um animal?”Hoje, que sei um pouco mais sobre o pensamento hiper-selectivo, tenho a certeza de que o penteado da senhora, cheio de caracóis (um pormenor), lembrou-lhe uma ovelha.
Extraído de “Mamã, aquilo é um ser humano ou um animal? Sobre hiper-selectividade e autismo”, Hilde De Clercq, Intermedia Books


O grupo 1, 12ºC